Gigante

    Saio cedo de casa, tenho um compromisso antes do trabalho. Em Perdizes, vejo que as cerejeiras já estão sem nenhuma folha, com aquele ar de morte que antecede a floração. L. me conta o que ouviu de um manifestante: “também sou contra a violência, mas se fizermos uma manifestação toda direitinha, deixando faixa para ônibus, faixa para ambulância, os políticos não vão ligar a mínima para o que queremos”. Penso em como acertamos a intensidade desse grito, afinal. De lá, corro para o trabalho. Na Paulista, vejo os restos do estande da Coca detonado ontem, grades de contenção largadas ao lado. No prédio em frente, panos brancos pendem, um deles torcido pelo vento. Desço a Consolação,os ipês meio floridos, rosados, lindos como sempre nessa época do ano, suas formas irregulares absolutamente harmônicas. Chego, ligo o computador e leio o mínimo necessário para conseguir trabalhar. A Anchieta foi liberada pelos manifestantes, a Regis segue interrompida. O Saturnália avisa “o gigante acordou mas não sabe onde pisa. Cuidado para não pisar na cobra que está passando”. No fim do dia, o aumento das passagens é cancelado. Mas, ainda assim, permanece a sensação de que desconheço o chão à minha frente.

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