“Metrô pede que passageiros não usem a linha
vermelha”. A ideia de encarar o Jd. Bonfiglioli é desanimadora, mas de táxi a
brincadeira vai bater em 50 reais, fácil. O pão-durismo vence. No ponto inicial,
os passageiros já estão dentro, subo, o cobrador atrás. E aí, o inesperado. Ele
brinca com alguém lá fora, senta em sua cadeira, cumprimenta os passageiros,
deseja uma boa viagem a todos e oferece balas com uma certa insistência. Fico
tão surpresa com o bom humor e gentileza que resolvo aceitar a bala, só para
partilhar algo com ele.
O ônibus sai, queria ser capaz de filmar o que
vejo. Quase tudo são portas comerciais fechadas em ruas escuras, de tanto em
tanto uma luz sobre uma cena: um homem toma algo em pé no balcão da padaria, bares
com mesas de plástico com homens bebendo, uma mulher penteia outra em um salão,
duas barbearias lado a lado, cada qual com um homem na cadeira e o barbeiro
trabalhando, um homem no balcão da pizzaria ainda deserta, a moça sentada no
colo do namorado dando beijo na boca na praça escura, grafites, pixos, o
viaduto sobre os trilhos do trem, a
locomotiva antiga ao lado do Catavento, o velho com passos minúsculos puxando
uma carroça carregada de caixotes como os de feira, postes com luz amarelada, um
restaurante já meio cheio com suas mesas na calçada protegidas por um toldo, as
luzes verdes no bar Brahma, o morador de rua vestido de bege até a cabeça, como
um beduíno improvável, outro carroceiro levando um cachorro que passeia sobre a
carga, as pessoas que esperam sentadas o espetáculo em um teatro na Consolação,
a seringueira de raízes gigantescas espremidas no canteiro central da Rebouças
– poderia estender a mão e tocá-la pela janela. A cidade se exibe, eu assisto.
Durante todo o trajeto, o cobrador diz boa noite a
cada passageiro que passa pela catraca. Uns se assustam, outros sorriem e
respondem. Agradeço mais uma vez pela bala, ele sorri surpreso e oferece outra.
Dessa vez não aceito, só sorrio, desço e vou embora.
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