Ferramentas

Gosto de andar por ruas que não estão na minha rota, que não são o melhor caminho para nenhum dos lugares onde vou. Hoje fiz isso, apenas para passar em frente a uma casa que me agrada muito, com seu muro grafitado, cor forte nas paredes e uma trepadeira roxa pendurada na fachada, uma mistura inesperada de bucolismo e urbanidade. Passada a casa, entro à esquerda em uma rua que costumo percorrer só de carro. Ando até a metade de um longo quarteirão e quando chego quase embaixo do viaduto da Teodoro, vejo à esquerda um lugar que imagino ser uma oficina de restauração de moveis velhos, com restos de madeira empilhados por todo canto. Ao fundo, há uma imensa parede que deve ter sido pintada pela última vez há muito tempo. A tinta é tão fina em alguns lugares que parece a pele interna da casca de um ovo, deixando ver o sombreado dos tijolos por baixo. Em outros pontos a tinta saiu e dá para ver pedaços de tijolos antigos, com a aparência menos compacta do que a dos novos, e bem mais escuros. Na parte mais alta da parede há três pôsteres de mulheres peladas. Devem ter sido colocados lá na adolescência do dono, e ele já não deve ser jovem há muito tempo. Não sobrou muita cor nas fotografias, as imagens lavadas por anos e anos de exposição à luz. Abaixo das fotos há um mundo de coisas penduradas, mas meus olhos ficam presos na quantidade imensa de ferramentas para trabalhar com madeira. Imagino haver mais de cinquenta delas, cada uma ligeiramente diferente das que estão próximas. Reconheço formões mas há outras maiores das quais não sei o nome. Todas combinam cabo de madeira polido pelo uso e ponta de ferro escuro. Não há ninguém da oficina. Tenho vontade de colocar a mão em tudo, e de fotografar, mas não quero ser invasiva, então fico ali, com o pé quase na soleira, tentando imaginar quem é o homem capaz de usar tudo aquilo, de saber para que serve cada uma delas, de mantê-las inteira, de fazê-las durar. Não aparece ninguém, o que torna tudo ainda mais curioso. Quem é essa pessoa capaz de deixar a oficina aberta, sozinha, em Pinheiros, como se estivesse em uma pequeníssima cidade do interior? Ele realmente não aparece e vou embora sem descobrir, mas doida de vontade de voltar. 

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