Down

Hora do almoço, fujo para comprar algo no Conjunto Nacional. O metrô se arrasta, dorme um pouco em cada estação e a lentidão faz com que fique bem cheio para o horário. Em pé, o sapato incomoda um pouco – salto alto para caminhadas é burrice, eu sei. Sem nada para fazer, observo as pessoas no vagão, atraída por tantos instantes de vida ali, simultâneos. Meu olhar para em um menino com síndrome de Down, sentado em um daqueles bancos solitários. Deve ter uns 12 anos, cabelo loiro cortado bem curtinho, bermuda, casaco de moletom, mochila no colo. Termino de olhar o restante das pessoas e volto a ele. Aí percebo que está acompanhado por um homem; pelo ar de confiança absoluta dele, deve ser o pai. Vestido de maneira semelhante ao filho, com bermuda e casaco esportivo, é alto e forte, daqueles que poderiam encarnar facilmente um jogador de rugby. Acho curioso, são raros os pais com filhos em dia de semana, no meio do dia; são ainda mais raros os pais acompanhando filhos com qualquer tipo de deficiência. Eles trocam algumas frases e param. A cada vez que a conversa cessa, o pai repete a mesma coisa: acaricia o rosto do filho, passa a mão por baixo do queixo, toca os cabelos, quase como as mães costumam tocar seus bebês. O carinho que ele sente é irradiante, imenso. Quando nova conversa acontece, ele presta atenção, quando vem o silêncio, ele volta a acarinhar o menino. Penso o que deve ter sido a trajetória desse homem, me pergunto como recebeu a notícia de que o filho tinha Down e em que momento se entregou inteiro e construiu uma experiência amorosa tão profunda, tão intensa, capaz de brilhar e atingir uma desconhecida, em uma sexta-feira, na linha vermelha do metrô.

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