Havia reparado nele muitas vezes. Nada no seu
jeito é convencional. Jovem, cabelo descolorido, roupas sempre claras e leves,
coturnos nos pés, muitos anéis, gesto mais ligados ao que tradicionalmente é
considerado feminino. À volta dele sempre notei olhares um tanto incomodados ou
irônicos.
Havia reparado nela também. Muito, muito velha,
mais de 80 anos provavelmente, corpo mirrado como se desidratado por tanta
vida. Vestido de algodão antigo, a estampa meio desbotada, solto no corpo, de
um tempo em que este tinha mais carne, mais força.
Um dia vejo os dois juntos em um banco. Sentada na
pontinha, ela segura com as duas mãos a sacola apoiada no colo, o corpo virado
ligeiramente para ele, olhando a maior parte do tempo para frente, às vezes lançando
olhares assustado na direção do rapaz. Ela fala, e fala, e fala. É delicioso olhar
para ele. O braço direito apoia-se no encosto do banco, a perna esquerda está
cruzada por cima da direita, todo o corpo voltado para ela. Ele escuta com todo
o corpo, como escutam os namorados apaixonados. Desconfio que ele sabe o que
está dando a ela – atenção plena, algo muito difícil de se conseguir nesse
mundo, e cada vez mais raro quanto mais velhos ficamos. Percebo um certo
incômodo nela, imagino que seja porque ele é absolutamente improvável, ela não
se aproximaria de alguém como ele espontaneamente. É uma imensa surpresa na
vida dela, um assombro. Ele sabe disso mas não se perturba nem um pouco.
Durante o almoço me distraio, tiro os olhos deles.
Depois da sobremesa, procuro os dois novamente. Eles seguem lá, nas mesmas
posições. Ela fala e ele ainda escuta com toda a atenção, daquela maneira
surpreendente, gesticulando de tempos em tempos. Vou embora leve. Os encontros
improváveis estão entre as coisas de que mais gosto nessa cidade.
Ainda o vejo de vez em quando - ele não tem
consciência da minha existência e nem imagina que sinto como se partilhássemos
um segredo. A cada uma dessas vezes tenho vontade de abraçá-lo e agradecê-lo por ser
tão raro.
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