Conde Favela

     Victor should have been a jazz musician cantava Grace Jones há muito tempo. Eu, que invejo músicos e poetas acima de qualquer coisa, sempre concordei. Victor, se você tinha as manhas, deveria ter sido um músico de jazz.
     Nada feito em público ultrapassa o prazer que vejo em músicos tocando e improvisando. Entendo o poeta, sei o gozo que é escrever algo que atinge aquele ponto perfeito, o interno, que vive naquele que escreve. Mas assistir bons músicos tocar, em momentos inspirados, não pode ser descrito. Não adianta ouvir a gravação, não serve ver o vídeo. Você tem que estar presente, olhando a banda transpirar e deixando seu olho editar o filminho do desejo. Só ao vivo é possível acompanhar as conversas simultâneas, a do músico com a plateia, feita dos sons dos instrumentos; e aquela dos músicos entre si, feita de olhares, muitos olhares, e dos movimentos do corpo.
     Por causa dessa ligação maluca que acontece entre os músicos, um dos melhores shows que já vi aconteceu em um camping, na serra da Mantiqueira, e reuniu dois caras que nunca haviam se visto. Um com um violão de sete cordas, o outro com um de doze. Em comum, a mesma paixão. Os dois se encostaram em um carro e tocaram. Olhavam os instrumentos, e olhavam um para o outro. À volta dos dois, a vida seguia sem alterações. O povo das barracas entrava, saía, muitos nem sequer olhavam para a dupla. Sentada no chão, eu assisti a magia acontecendo, embora eles não tivessem a menor consciência de quem estava ao redor. Não precisavam de ninguém para experimentar a perfeição.
     Hoje vi a magia novamente. Dessa vez, um sexteto tocando uma composição própria. A música me fazia lembrar os grandes momentos com alguém amado. Os soluços, os quase silêncios, as falas simultâneas, a alegria, a tristeza. À minha volta, a reverência dos companheiros de mesa. O som era como um mar, a água salgada e morna envolvendo todos, sem deixar espaço para o pensamento, para racionalizações. Quando terminou, olhei para a amiga à minha frente e sussurrei sensacional. Foda, disse ela. Foda, repeti baixinho. E durante um tempo, apenas o silêncio coube ali.

Comentários

  1. Foda, amiga, foda... E sou tão feliz que estava ali com você para ver/ouvir como "Vira-lata" foi sensacional. Que bom ver que ainda há vida...

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  2. Ana, você sempre saca o que realmente interessa! Vira-lata foi sensacional! Bom compartilhar esses momentos.

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