Polícia para quem...

    De volta para casa tenho um daqueles momentos estranhos de lucidez. Olho a coluna de retângulos metálicos à minha frente, cada um com seu motorista solitário, e sei que é errado. Não faz sentido para o planeta gastarmos tanto combustível para nos locomover, não faz sentido para cada um de nós precisarmos gastar tanto tempo em deslocamentos. Vem a sensação de que ainda é cedo mas vai chegar o momento em que todos vão considerar isso tão absurdo quanto as jornadas de trabalho da época da Revolução Industrial.
    Paro embaixo da praça Roosevelt, o sinal vermelho detém a fila de carros.   Olho à minha direita e vejo uma manifestação descendo a rua dos teatros. Pouca gente, uma bandeira sendo agitada por alguém. Olho em frente e o sinal fica verde. De cara noto que não vai dar para avançar, um monte de gente passa correndo na frente dos carros. Olho à direita novamente e vejo que os manifestantes parecem virar na Consolação em direção ao centro. Meu lado esfomeado agradece por imaginar que não vai precisar esperar muito. Em frente, pessoas continuam a correr. Por um momento penso que vão engrossar a manifestação, depois percebo que todos estão de capacete, é a Tropa de Choque.
    A multidão de policiais cerca a manifestação e obriga as pessoas a subirem de volta a rua. Meu olho enquadra um policial por inteiro. Na mão uma arma imensa, o cotovelo meio encolhido para que o cano não esbarre no chão. Meu horror a armas faz com que me encolha. Nada em torno justifica aquilo. A manifestação volta para a rua dos teatros, sinto a aflição das pessoas. Os manifestantes mais próximos da polícia erguem as mãos acima da cabeça e se curvam levemente como que dizendo olhe, estou desarmado, não precisa nada disso. Na calçada, pessoas fotografam a polícia com câmeras e celulares, apesar do medo que encolhe seus corpos. Um policial grandão impede que um skatista atravesse a formação. Lamento não estar com o celular no banco, tenho vontade de largar o carro e descer, ajudar a impedir uma desgraça qualquer, mas ali não é possível parar.
     Viro à esquerda na Consolação. Uma grande quantidade de carros de polícia interrompe a faixa contrária. Na ruazinha lateral da igreja, vejo um carro que parece blindado, não entendo o suficiente para saber o que é. No alto, policiais em motos parecem ter tomado a praça. Daria uma foto de guerra.
     Estamos em setembro. Mês que vem o PSDB vai garantir mais quatro anos de governo do estado. Volto a pensar no absurdo do que vivemos.

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