Rita
diz que viajar com arianos é ser arrastada por caminhadas sem fim. Embora
geminiana, tenho ascendente em Áries e, talvez por isso, arrastei-a em algumas
caminhadas por Istambul. Hoje foi um desses dias. Começou na praça Taksim, onde
embarcamos no funicular até Kabats, seguido do tram até a estação das barcas de
Eminönü. Ali, o primeiro estranhamento. Barcas profundamente enfeitadas servem
como cozinhas de restaurantes. O cozinheiro encara o balanço do mar, enquanto
os fregueses sentam-se em terra firme.
Seguimos
até o primeiro cais. Como quem não fala a língua do lugar tem que perguntar
muito, fomos até o senhor que controlava a entrada para uma das barcas. Ao
perceber nosso sotaque em inglês, perguntou se entendíamos espanhol. E foi
nessa língua que nos explicou que tínhamos que passar por debaixo da ponte até
o último cais. Lá pegaríamos a balsa para Ayvansarai.
Dentro
da barca, uma mistura de gentes. Um grupo de umas oito mulheres de véu, todas
de preto, casais europeus com cara de amor novo. No banco à nossa frente, duas
mulheres de lenço com duas crianças. A menorzinha, com cerca de um ano, quem
sabe, nos olha e grita, feliz. A mãe, paciente, não briga, tenta entrete-la com
o celular e a pega no colo quando a diversão vira choro. No trajeto da balsa
pelo Chifre de Ouro, vejo hidroaviões ancorados e um submarino incongruente em
um cais. O vendedor passa vendendo chá, suco de laranja e sanduíches.
Descemos em Ayvansarai. Como era meu lado ariano no comando,
ainda tínhamos uma subida pelo meio de um bairro muito simples. No caminho,
misturado às casas, as ruínas das muralhas de Teodoro. Aqui, as ruínas não são
apenas monumentos a serem preservados, elas estão entranhadas na vida das
pessoas. A casa simples pode ter parte da muralha grudada na parede lateral.
Não há cercas entre elas, é tudo uma vida só.
Começamos a subida, eu de mapa na mão no meio das casinhas de
madeira, crianças, mulheres, homens, famílias e gatos. Como os istambullus
parecem amar os gatos! Vamos bem até um certo ponto e aí já não sei mais. E
toca a perguntar. Dois senhores de idade se aproximam. Rita pergunta em inglês
como fazemos para chegar ao museu Kariye. Ele não entende uma palavra, claro.
Mostro no guia onde queremos ir. Ele repete meio interrogativo Kariye e faz um
gesto para que o acompanhemos. Assim vamos, os dois senhores turcos idosos na
frente, morro acima, e nós duas atrás. Quando ele vai mudar o caminho, nos
instrui em turco como devemos fazer para chegar onde queremos. Não entendemos,
ele sabe, então reforça os gestos. Devemos virar à direita e depois à esquerda.
Fazemos cara de que compreendemos minimamente mas ele não acha suficiente e
espera que façamos os gestos de direita e esquerda. Ele se afasta e uma mulher
vestida com uma roupa muçulmana e lenço de flores vermelhas na cabeça pergunta:
Kariye? E lá vamos nós seguindo outro turco generoso. Ela vai na frente. Não há
nada que possamos conversar, não temos nenhuma palavra em comum e talvez não
seja bom para ela ser vista com mulheres ocidentais. Mas seja lá como for, nos
leva até a ladeira que desce para o museu. Lá ela repete Kariye, dessa vez
afirmativamente. Rita e eu nos curvamos sorrindo e agradecendo. Ela dá um
pequeno sorriso e se vai. Descemos a ladeira e lá está a igreja de Chora, atual
museu Kariye, cercada por tapumes de uma restauração mas ainda podendo ser
visitada. Dentro está um dos maiores acervos de mosaicos bizantinos do mundo,
do século XIV.
Antes de entrar, sentamos no café em frente,
com mesinhas distribuídas em patamares. Rita me diz com um certo assombro: olhe
aqueles homens! Giro meu corpo na direção em que ela me indica. Em uma mesa no
canto há quatro jovens homens de barba vestidos com longas túnicas pretas, na
cabeça chapéus sem abas. Eles não se parecem com nada que qualquer uma de nós
duas já tenha visto. Nem parecem viver nesse tempo, nesse agora. Ortodoxos,
digo, meio que por eliminação. Ela, corajosa, vai lá e pergunta se pode
fotografá-los. Para minha surpresa, eles deixam. Logo vejo que a comida deles
chegou. Os quatro erguem-se e fazem o sinal da cruz, levando primeiro a mão ao
lado direito. Cristãos ortodoxos, sem dúvida. Tomamos nossos chás (ah, os chás
de maçã, quase uma torta derretida) e desaceleramos um pouco. Depois nos
dirigimos à igreja. Na porta, Serdar se oferece para ser nosso guia. Meu
impulso é dizer não mas Rita insiste que é uma boa ideia (obrigada de novo
Rita!). Entramos. Na parede, o Cristo Pantocrator, em azul e ouro, nos segue
com os olhos.
Foto: Rita Rios
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