“Alá é o único juiz de todos e
ninguém tem o direito de garantir a salvação ou ditar punição, além dele”. A
frase foi tirada de um folheto disponível na mesquita Azul, em Istambul. A
vontade de que os visitantes entendessem o que era o Islã foi uma das coisas
que me marcou na viagem. Em outra mesquita, um grupo de três moças voluntárias se
oferecia para conversar com quem quisesse mais informação. Lá fomos nós
enchê-las de perguntas. Eram muito jovens, dispostas a responder desde questões
sobre como acontecem os casamentos, se há liberdade para se escolher o marido,
até onde comprar lápis preto para maquiar os olhos lindamente como elas fazem.
Nas ruas da cidade, jovens de
minissaia e meia-calça preta rendada cruzavam nas calçadas com mulheres usando
niqab. O Corão diz que não se deve consumir álcool mas todas as noites eu e a amiga com quem viajava tomávamos
um delicioso chardonnay em um pequeno bar, com pães, queijos e com uma
deliciosa sopa ao final. Nas outras mesas os fregueses eram quase sempre turcos.
Na esquina da mesma rua, em um café, homens tomavam chá e fumavam narguilé. A
responsabilidade é de cada um dizia o folheto da mesquita. Eu, que me apaixono
por algumas cidades, me apaixonei por Istambul, pelas construções grudadas umas
nas outras subindo as colinas, pelas barcas zanzando no Bósforo e no Chifre de
Ouro, pelos minaretes brancos, pelos istambulus que faziam o gesto de me sigam
para que chegássemos onde queríamos. Volta e meia eu pensava “espero que a
cidade se mantenha assim, que fique cada vez mais aberta, e que o
fundamentalismo não tome conta”.
Ontem, uma mulher-bomba se suicidou
na região de Sultanahmet, no que é provavelmente o lugar mais movimentado da
cidade, matando um policial. Perto da Cisterna da Basílica, dizem. Lembro direitinho
da rua meio sem graça próxima à Aya Sofia, em uma ponta da praça, e à Mesquita
Azul, do outro lado. Lembro da loja de doces maravilhosa ali perto, do tram que
passava despejando turistas de todo o tipo, o dia todo. Agora ouço que um partido de extrema-esquerda
assumiu o atentado.
No Iemem, um carro-bomba matou
cerca de trinta pessoas, em um atentado ainda não assumido por ninguém. A tal
história de que os fundamentalistas islâmicos matam mais outros muçulmanos do
que atacam ocidentais. Vale para o Isis, para o Boko Haram, para o Taliban, para todos,
imagino.
Hoje, para completar o horror,
foi a vez do atentado em Paris, na redação do Charlie Hebdo. Doze mortos, alguns
feridos em estado grave. Passo o dia completamente sem concentração, nada
parece ter muito sentido. Impotência e raiva. Era como se algo dissesse “você
acha chocante, ruim, inaceitável? Pois aí vai mais, mais e mais". Me sinto muda
e burra, sem a menor sombra de resposta ou explicação para nada disso, e com
uma sensação muito forte de que preciso entender. Precisamos muito entender.
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