Era
uma dessas noites quentes de verão, numa praia da Bahia. Haviam acabado o
trabalho. Muitas coisas deram certo, outras não tanto e havia uma certa ressaca
pelo que poderia ser melhor. Um grupo avança no começo da madrugada
conversando, colegas, não se conhecem tão bem e buscam entender muito do que se
passou. O cansaço cria uma certa voracidade, beliscam, não há mais energia para
beber. Aos poucos o sono desaba, sabem que agora vão conseguir dormir.
Duas
pessoas decidem ir direto para o quarto. Ela resolve ver o mar de perto, pela
última vez, antes de voltar para casa. No dia seguinte vai ter a correria do café
da manhã, do check-out, de descobrir o horário do translado e não vai sobrar
tempo para muita coisa. O professor pergunta se pode acompanhá-la. Ele também
quer ver o mar. Seguem conversando até a beira da água, deixam as luzes atrás,
na areia há escuridão. Ela olha o mar, uma
tinta preta, tentando absorver o barulho suave da água esbarrando nos recifes. Ele
também olha em frente, por um tempo curto, e logo ergue a cabeça para o céu. Para
ele ali há histórias, civilizações, crenças, ciência. Sabe o que diferentes povos
veem olhando as estrelas, sabe o que é a névoa que parece envolver a galáxia na
noite clara, só visível em um lugar assim. É tarde, talvez umas duas horas da
madrugada, e ele diz: Escorpião está nascendo, olha que beleza. Bom que você
quis ver o mar, se você não tivesse essa ideia e eu não viesse com você, não
teria visto. É uma constelação que só vemos mais cedo no inverno, no verão ela só
aparece de madrugada.
Onde
está Escorpião?, ela pergunta. Está vendo aquelas três estrelas, ali à esquerda?
Depois tem uma que desce e outra vai para a direita... Ela olha para onde ele
aponta e segue o que ele descreve. Um segundo depois ela percebe a volta da
cauda e vê o escorpião inteiro, como aparece nos mapas do céu, pouco acima do
horizonte, imenso. Tem vontade de gritar, pular, chamar gente para vir ver. O
professor parece surpreso pela reação dela.
Algumas
sensações não podem ser explicadas, não rapidamente. Quando criança, deitava no
gramado da casa e olhava para o céu à noite. A cidade era pequena, não havia iluminação
na rua em que morava, só nas casas. Nos terrenos baldios o escuro brilhava com
vagalumes, e havia a noite com as estrelas. Para ela, tudo sempre pareceu muito
grande, a distância das estrelas, o número delas. Imaginava o que seriam todos
aqueles lugares, toda aquela imensidão, pensava que talvez quando crescesse fosse
possível viajar para uma delas. Achava tudo impenetrável demais, e tirando o
Cruzeiro do Sul e as Três Marias, não sabia identificar nada do que via. Nessa
noite baiana, é como se lesse a primeira palavra de uma nova língua, escrita em
um alfabeto estranho, em uma página que olha fixamente há muito tempo.
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