Sobre praia e paraísos




Tenho meu lugar mais bonito do mundo - é um morro feio, meio pelado por causa da erosão da chuva, com uma caixa d'água da Sabesp (ou será algo diferente? Nunca presto muita atenção nela). Lá de cima se vê a praia de Guaecá, em São Sebastião. Meio espichada, a praia se alonga até tocar no outro morro, uma beirada de Serra do Mar, coberta de Mata Atlântica. Mais ao longe o contorno da costa promete outras praias. O mar liso brilha. É o lugar em que respiro mais fundo e tenho a sensação de "cheguei".
Gosto de praia. Para alguns é quase herético esse gostar. Lembro de ouvir um conhecido dizer "adoro praia, o único problema é que tem sol, areia e água salgada". Ele tem uma certa razão, posso entender. A pele esturrica, o cabelo fica um lixo e a areia gruda onde não deve e não sai por nada, dias depois ainda achamos partículas brilhantes na bunda. Mas em mim o sol derrete os músculos, manda embora alguns dos nós que vida cria. A água salgada ampara, parece perfeita quando bóio de olhos fechados, o corpo totalmente solto para não afundar.
Pouco antes de sair de descer para a praia, catei na estante o Memória, sonhos e reflexões, do Jung. Havia lido o livro há muito tempo e lembrava de pouca coisa mas precisava de algo para ler na rede. A certa altura, falando de novos métodos e gadgets ele diz: "na maioria das vezes são suavizações passageiras da existência, como, por exemplo, os processos de economizar tempo, que infelizmente só lhe precipitam o ritmo, deixando-nos então com menos tempo". Gargalho internamente, as entrevistas para o livro foram feitas em 1957!
Um dia perfeito na praia é o oposto disso. O destas férias, pelo menos katé agora foi assim. A água estava transparente, absurdamente clara e pouco fria. Havia muitas bolachas do mar, alguma vivas e outras mortas. Quando entrei, um cardume de minúsculos peixes prateados nadava no raso. Um pouco depois passou outro cardume, dessa vez de peixes com cerca de vinte  centímetros. Brinco, flutuo, mergulho. Na volta para a areia, eu e minha irmã quase tropeçamos em outro peixe, esse grande, com uns sessenta centímetros, gordo, provavelmente atraído pelos cardumes dos peixes menores. Nunca havia visto um peixe tão grande nadando tão próximo da areia. Logo vem minha outra irmã. Enquanto remava no Stand Up Paddle viu uma sombra borboleteando abaixo dela. Uma raia nadava em paralelo com ela. 
Não sei porque tudo isso dá alegria. Talvez porque seja a existência pura, sem que precisemos fazer nada, apenas olhar e usufruir. Não podemos prever também, apenas aproveitar o que vem, sem a menor possibilidade de fazer algo surgir. Há algo de paraíso na abundância de beleza e prazer.

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