Passei a sexta-feira lendo sobre o México,
por conta do trabalho. Pancho Villa, Zapata, reforma agrária. Como tudo se
repete há milhares de anos ao redor do planeta: uns trabalham na terra e pagam
para os que são donos dela. Me dei conta de como essa agitação mexicana no
início do século XX criou o país em que puderam surgir Frida Kahlo, Diego
Rivera, Siqueiros, Orozco. Fui parar em EZLN..., música que Manu Chao fez para um discurso do
Subcomandante Marcos, dos Zapatistas:
Nosotros nacimos de la noche
En ella vivimos
Y moriremos en ella
Pero la luz será mañana para los más
Para todos aquellos que hoy lloran la noche
Para quienes se niega el día
Para todos la luz
Para todos todo
Algo primitivo meu sempre acorda nessas horas, algo que lembra
das promessas de um paraíso, onde não há faltas, mas desejo sempre que seja aqui
e agora. Pelo menos há sonho e não a velha frase “a vida é assim mesmo”.
Com esse olhar latino americano na cabeça, saio domingo à
noite com uma das minhas irmãs para ver um espetáculo da companhia de um amigo,
no Bom Retiro. Chegamos cedo à Casa do Povo e resolvemos andar um pouco pela
Três Rios, em direção à praça. Apertamos o passo quando vemos uma tenda branca
armada e pessoas se agitando em volta. Comida? Carnaval? Mais perto percebemos
o som de música andina, as flautas. Minha irmã insiste, vamos até lá.
Quando chegamos perto, descobrimos que a tenda é um micro
palco e músicos bolivianos, vestidos com aquelas roupas com as combinações de
cores mais lindas do mundo, tocam. Mal consigo prestar atenção nos homens
porque no meio deles há um menino de uns sete anos, compenetrado, com um imenso
chapéu que quase engole sua cabeça, tocando um tambor. Em frente ao palco,
um grupo dança, alegre. É uma mistura de
gente como só acontece no centro da cidade. Meus olhos rastreiam uma figura
andrógina de short jeans, mini blusa e turbante; o rapaz de cabelo parcialmente
descolorido, as moças sorridentes. Minha irmã me cutuca, olha o nome do grupo:
Visto permanente. A questão dos deslocamentos e do desejo de lar também aparece
aqui.
O líder do grupo avisa que agora vão tocar uma outra música e
que podemos seguir os dançarinos. Só então vejo o casal vestido com roupas
tradicionais dançando no meio do povo. Ele com um poncho colorido, ela com
uma saia de um tom rosa maravilhoso, rodada como uma flor. Os dois usam um
chapéu com uma franja de contas em toda volta. A mulher está de frente para
mim, vejo sua expressão tímida. Ela faz gestos suaves e delicados com as mãos e
com os pés, os dois dançam um de frente para o outro, me lembra uma cena de filme de bailes de uma corte europeia. A plateia pula, feliz. A música termina e o
líder faz um pequeno discurso e grita “Viva aos povos originários”!
Lembro de outro vídeo dos zapatistas, que mostra milhares de integrantes
do movimento em passeata com o rosto coberto e absolutamente em silêncio.
O comunicado do subcomandante Marcos depois dizia mais ou menos o seguinte:
vocês estão ouvindo? É o som do mundo de vocês desabando. E há outro vindo. No
caminho de volta, outra figura chama minha atenção: com barba preta, batom
vermelho e um vestido de malha de alças finas, decotado atrás, segura uma
bicicleta enquanto vê o show. Não sei se as pessoas já estão em clima de
carnaval, mas ninguém parece fazer caso, ela está absolutamente integrada à paisagem
do domingo. É, talvez algo novo esteja mesmo a caminho.
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