Sábado de carnaval, o dia começa nublado,
ameaçando chuva. Mesmo assim, sem pensar muito decido ir até a praça da
República comprar tecidos africanos para meus cadernos. Já na Artur aparecem as
primeiras pessoas fantasiadas, onze da manhã e as pessoas já vão para o bloco.
No metrô, sou minoria, uma pobre pessoas
sem fantasia. Na plataforma uma menina com vestido de oncinha, meia arrastão e
um tanto de glitter beija um rapaz alto. Tudo parece tão bom que sigo sorrindo
para o último vagão, vai estar mais vazio, sempre está. Lá dentro um grupo de
adolescentes cheios de glitter tira fotos uns dos outros, um homem da minha
idade diz para a mulher que nos anos 80 é que era bom. Há algo de julgamento
moral no que ele diz, procuro em volta o que o deixou tão chocado mas não
encontro, desconfio que mal humor.
Na República, a estação está lotada com moçada
fantasiada, saio rápido porque tenho medo de não conseguir voltar para casa
antes do metrô travar totalmente. Na praça, percebo que chove bem fraquinho, do
outro lado da rua, todas as banquinhas que costumam vender tecidos sumiram.
Também quem vai vender tecidos na chuva? Decido andar um pouco por lá assim
mesmo e encontro um pouco adiante uma banquinha instalada embaixo de um toldo
de uma loja fechada. Os tecidos são lindos, coloridos, com desenhos grandes,
apenas um tem desenhos menores, que é o que preciso. Digo isso para o vendedor
e ele se afasta, completamente desinteressado de mim. Outro vendedor se
aproxima, deve ter perto de 30 anos, um
sorriso aberto, um jeito amigável, e me
diz que pode me mostrar outros tecidos com desenhos menores, se eu realmente
quiser ver. Sim, eu quero, e ele abre uma mala cheia de cores. Por cima, um
tecido com um fundo azul suave e estrelas com contorno em preto e um grande
barrado nas extremidades. Fico apaixonada, quero esse. Ele pega o pano e me
mostra outro na banca. Sim, quero meio metro de cada. Conversamos enquanto ele
estica bem os tecidos e pede minha ajuda para cortá-los. Ele pergunta meu nome.
Inês, digo. Inesa? Não, Inês, e o seu? Aron. De onde você é? De Gana, onde você
mora? Em Pinheiros. Gosto de Pinheiros, tenho um amigo que mora lá, ele me
mostra a cidade, me mostra Pinheiros. E você pergunto, onde mora. Na Bela
Vista. Bom também, há quanto tempo você está no Brasil? Um ano. Um ano??? Mas
você fala português muito bem. Ele sorri como quem sabe que é verdade o que
digo e explica que estudou, se esforçou. Que língua você falava lá? Inglês. E que
língua africana? Ashanti e diz o nome de mais duas outras de que nunca ouvi
falar. Quantas línguas você fala? Doze. Tenho vontade de gritar bem alto – você
fala doze línguas? – mas apenas olho assombrada para ele, nunca conheci ninguém
capaz de falar tantas. Ele ri e diz é mais fácil para nós do que para vocês. Às
vezes você muda para a cidade ao lado e precisa aprender outra língua para se
comunicar com as pessoas. Mas na sua casa, com sua família, que língua vocês
falam. Hauçá. Outras pessoas chegam e também querem comprar tecidos. Pego os
meus, me despeço, ele sorri. Saio na mini garoa pensando nas crianças
brasileiras tentando aprender inglês com professores que começam a primeira
aula assim: hoje vou ensinar o verbo to be.
Comentários
Postar um comentário