De
todos os atributos que costumam ser atribuídos às divindades, invejo a
onisciência, a sabedoria. Do jeito que sou, pensar sobre qualquer uma das
coisas que mexem comigo é sempre dar de cara com a complexidade, é sentir que
só posso refletir sobre o que me perturba a partir do meu lugar, do meu tempo,
do meu corpo, da minha história. É como olhar algo imenso e vê-lo de um só
ângulo, quando gostaria de vê-lo de cima, de baixo, dos lados, de um ângulo
oblíquo. O mundo seria um lugar mais tranquilo se pudéssemos fazer com as
grandes questões o que Robert Hupka fez ao fotografar a Pietà de todos os
ângulos possíveis, enquanto nós, seres comuns, só podemos vê-la de frente,
atrás de um vidro blindado.
Ando
pensando no silêncio, em tudo o que nos consome e fica só como dor. Primeiro
porque o silêncio das mulheres é um tema forte no livro que minha irmã está
fazendo. Vejo seus experimentos com fotos e só consigo pensar que parecemos
estar todas lá. São sempre mulheres e quase dá para pegar no olhar o que ficou
preso lá dentro. Como as coisas sempre se engancham umas nas outras, comecei a
ler um ensaio da Rebecca Solnit. O título? Uma
breve história do silêncio. Vou indo pelo texto devagarinho, para durar,
para dar tempo de olhar cada ideia. Ela fala da diferença entre silêncio e
quietude, por exemplo. Ou sobre não ser escutado, o que também é uma forma de
silêncio. E diz: “ o silêncio é o que permite que as pessoas sofram sem
remédio”.
As
mulheres não são as únicas silenciadas, os homens também penam com isso, embora
de uma maneira diferente. Um outro texto que li, parte da autobiografia do ator
inglês Robert Webb, me dá um vislumbre de como. Nesse trecho, ele fala da
relação com o pai e se pergunta mais ou menos o seguinte. O que alguém quer
dizer quando fala para um menino “haja como um homem!” Para ele, em geral, é uma
expressão entendida assim: não expresse seus sentimentos porque isso não é
aceitável em um homem – dor, sofrimento, medo, angústia – nenhum deles. Se for
necessário expressar um sentimento, que seja a raiva, esse é o único sentimento
aceitável em um homem.
A
raiva é o único sentimento aceitável para um homem. A frase volta por dias e
dias na minha cabeça. Há séculos os sentimentos não agressivos são vistos como
fraqueza, há milênios, talvez. Funciona da seguinte maneira: algo frustrante
vira um grito de raiva. A sensação de humilhação
vira um grito de raiva. A vergonha vira um grito de raiva. A tristeza é disfarçada
por uma cara de raiva. A sensação de
impotência é destruída por uma ação raivosa. O amor foi embora? Vamos
manifestar a dor como ódio, é mais macho. Os homens também silenciam todos os
dias suas dores, mas nem sempre nos damos conta porque vemos a raiva e a agressividade
e não o que pode estar reprimido por baixo.
Na
falta da onisciência, a única iluminação que esses fragmentos trazem para mim é
sobre a importância de aprendermos a reconhecer cada um dos sentimentos, sem
ter vergonha de nenhum deles. Não perder uma única chance de falar sobre eles com
as crianças, em especial com os meninos, para que não tenham apenas a raiva
como possibilidade. Você está triste? Você está frustrado, vamos descobrir um
jeito de melhorar essa situação? Sim, você pode chorar, não há vergonha nisso. Chore
até babar. Você levou uma bronca e se sente humilhado? Respire fundo e vamos
entender o porquê da bronca e do sentimento. Seu amor lhe deixou e você se sente
miserável? É, dói mesmo, mas juro que é possível sobreviver a isso. É isso, ou
vamos continuar treinando homens incapazes de sentir, como são treinados os
soldados que vão à guerra. E a guerra é lugar de morte e destruição.
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