São
duas caixas, uma delas, a de papelão, meio despedaçada, mora em um dos meus
armários de roupa. Dentro algumas cartas e muitos, muitos bilhetes soltos,
muitos cartões postais. A outra, mais bonita, amarrada por uma fita de cetim,
era originalmente para fotografias mas virou uma caixa de cartas, dessas
escritas em papel, com envelope, enviada pelo correio. Essa vive no maleiro, no
meio de pastas sanfonadas com documentos. Há tempos não punha a mão em nenhuma delas
mas fui procurar algo, comecei a fuçar e está difícil parar.
Falamos
cartas e pensamos em coisas velhas, pré-internet, pré-celulares. São mesmo. Mas
elas são muito diferentes umas das outras. Há carta coletivas, feitas para serem divididas com outra amiga e que herdei. Algumas são escritas à mão, outras
não, há papeis finos, grosso, rasgado, de desenho.
Uma
delas, por exemplo, foi escrita como um roteiro:
Outra
tem desenhos no envelope:
Outra
é um cartão feito a mão:
Tem
as coisas que contam.
Um
disco que foi comprado:
Uma
noite que vai ser passada pintando:
Outra partilha um
trecho do diário da pintora alemã Paula Modersohn-Becker traduzido
especialmente para a amiga que não entende xongas da língua:
“À
noite, quando eu desperto, e de manhã, quando levanto, sinto como se algo etéreo-belo
repousasse sobre mim. Mas é apenas a vida à minha frente, com seus lindos
braços abertos, para que eu voe para eles.”
A
vida de braços abertos. Ela está de braços aberto agora, nesse momento?
A
diferença entre elas e mensagens de whatsapp, FB, email e que tais é que tendem
a durar, guardadas nalgum lugar da casa para emergências afetivas, ou por puro
prazer. Outra diferença, na média são mais longas. Algumas têm muitas páginas, falam
de sentimentos, novos e velhos amores, livros lidos, filmes assistidos,
carinhos aos montes. Falam de saudade, de querer ver, de querer bem. Elas
carregam tempo com elas. Não o tempo que passou mas o tempo que dura, o tempo maior
gasto para que tenham sido escritas. Lembro do movimento slow food, que propõe
comida mais saudável em longas refeições feitas com ingredientes bons, um bom
vinho para acompanhar, bons amigos e conversas compridas em volta da mesa.
Penso no slow living, que pede mais tempo para o prazer de estar junto e menos
consumo. Ao que acrescento, menos trabalho, não há uma vida de afetos possível
sem que se tenha tempo para isso.
Ainda
existe no mundo gente que busca se comunicar de maneira analógica. Trocam
cartas, escrevem diários em papel, com caneta tinteiro, desenhos, tintas. Gosto
disso também, mas mais ainda do slow. Slow letter? Slow writing, talvez. Pode ser
digital, mas o escrito tem que registrar a vida, refletir, desejar, criar,
brincar, chorar, às vezes ser escrito em várias assentadas até contar tudo o
que há para ser dito. Assim se torna uma reserva a ser visitada em dias frios,
em dias lentos, em dias em que a energia está baixa, precisando um estímulo.
Hoje
assisti a uma entrevista com o artista plástico e escritor Nuno Ramos. Ele diz “o
lance da arte é uma espécie de reação à clausura do ser. Acho que a vida social
vai enclausurando e você precisa de uns buracos, de umas maconhas, de uns
negócios lá para quebrar aquilo ou a vida enche o saco”. Não só a arte
desenclausura, uma boa troca entre pessoas também. Nesse momento, desperdiçar
tempo com coisas não produtivas talvez seja das coisas mais revolucionárias a
serem feitas. Escrevam.
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