Olho para a fotografia. A mulher tem rugas na
testa, o rosto marcado nas laterais. A boca está contraída num sorriso meio
forçado de quem se percebeu fotografada sem querer. A mulher sou eu, me dou
conta de que os outros começam a me ver assim, como uma mulher velha. O que
esse rosto diz a alguém de vinte anos? Uma senhora. Sinto vergonha da imagem,
como se ser velha fosse algo que precisasse ser oculto, uma falha de caráter. Como
serei uma velha se ainda quero tanto?
Não tenho muitos modelos reais de velhos que se
comportem como se estivessem intensamente vivas, às vezes tenho a impressão de
que muita gente morre muito antes do fim, fica uma casca vestida com uma roupa
sem graça, uma cara apagada, sem vivacidade. São aquelas pessoas que se dão ao
respeito, que se vestem de acordo com a idade, que agem de acordo com a idade,
que dizem no meu tempo... Vejo essas pessoas e meu olhar cria histórias, e
acredito nelas com mais frequência do que seria recomendável.
É impossível também não se contaminar por esse tipo
de olhar vindo de outras pessoas, pelo que acho que elas esperam que eu seja.
Lembro a primeira vez em que dançando vi pessoas mais jovens me olhando como se
eu fosse errada, uma velha sem noção. Elas me olharam com espanto e se
afastaram. Acostumada a dançar livremente, travei, algo em mim ficou sem graça.
Para não mergulhar nessa visão estúpida de envelhecer,
volto ao piquenique na beira de um lago em que fui em Offenbach, perto de
Frankfurt. A estrada que liga a beirada da cidade ao lago dava vontade de parar
a cada cinco passos. Dezenas de terrenos pequenos, com cabanas minúsculas
destinadas a guardar coisas e não à moradia, estavam cobertos de flores, algumas
eram das maiores e mais carregadas roseiras que já vi, com flores de todas as
cores, de diâmetro grande ou pequeno, com pétalas dobradas, comuns, simples.
Estufas de vidro pouco maiores do que a casa de um cachorro grande exibiam
verduras através do vidro.
O lago era bonito de um jeito calmo, grande, mas
não muito. Apenas em uma parte da margem havia praia e um gramado onde era
possível estender uma toalha, deitar ao sol. No restante a vegetação era fechada,
chegando até a beira da água, com umas árvores de folhas mais finas, troncos
mais retos e verde mais cinzento do que eu estou acostumada, lindo de ver. Patos
coloridos nadavam; na picada os filhotes pulavam na água quando escutavam meus
passos.
Fomos os primeiros a chegar do grupo. Colocamos as
sacolas em bancos debaixo de duas árvores, a alguns passos da água. Do lado
esquerdo uma cerca viva de uns 80 centímetros separava a área em que estávamos
de outra área gramada. Ao longe um homem em pé, olhei e pensei “acho que ele
está nu”. As outras pessoas chegaram, na prainha, crianças mergulhavam com os
pais, moças tomavam sol na areia. A certa altura, vejo um homem chegar do outro
lado da cerca viva com um acolchoado e uma sacola, quando olho novamente ele já
colocou tudo no chão, e depois está nu, se sentando na grama. É, ali é uma área
de nudismo.
O dia passa, comemos, rimos, deito na canga e fico
olhando o céu. Quando dou conta dos vizinhos, o grupo de nudistas cresceu
muito. A maior parte deles está sentada numa grande roda, parecem ser amigos há
muito tempo. Todos estão muito mais bronzeados do que as outras pessoas, devem frequentar
o lugar sempre. Algum tempo depois, quando começamos a nos arrumar para ir
embora, uma mulher chama minha atenção. Com uma pele que brilha, bronzeada, ela
é gorda, tem uma grande barriga, seus seios são caídos, e o cabelo, meio ruivo,
é encaracolado. Tudo nela me lembra a Vênus
de Willendorf, como se o corpo de uma tivesse sido decalcado no da outra. Mas o
que é realmente fantástico é como ela parece bem na própria pele. Em pé, ela
conversa com um homem, que está de costas para mim. Ela não faz um único
movimento de esconder o corpo, não busca uma postura para ser vista de uma
maneira que não é. Acho que a maioria das mulheres nem sozinha consegue ficar
nua assim. Ela apenas é, inteira, brilhando bronzeada ao sol. Me dou conta de
que todas as pessoas que estão nuas ali são mais velhas, devem ter entre 50 e
70 anos. Lembro da brincadeira que tenho feito com amigos. A coisa boa de
envelhecer é que o botão do foda-se cresce e fica cada vez mais perto. Olho
para ela que talvez seja um pouquinho mais nova do que eu e penso que quero ser
daquela maneira, quando crescer. Inteira, absolutamente imune aos olhares, preenchendo
o espaço com leveza.
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