Frase tirada de uma carta ao leitor, não lembro mais quando, nem de quem, mas resume o agora
Um velho na frente de cortinas simples,
bigode fino e branco, em um vídeo japonês. Como alguém legendou em inglês, sei
que ele agradece e pede perdão, quero saber porquê. Clico. É um velho pintor
desconhecido, sem fama alguma, que dá aulas de aquarela em algum lugar do Japão.
Por sugestão do filho, tem um canal no youtube com milhares de seguidores e que
cresce a cada dia. Mas ele está triste, sentido. Leu um comentário e ficou
pensando. Ele diz que muitos dos que o seguem não conseguem fazer igual a ele e
desanimam e, infelizmente, ele não está ao lado de cada um para incentivá-los como
faz com os alunos para quem dá aula fisicamente. É por isso que pede perdão. Ele
acrescenta: vamos criar relações, não só
desenhar e pintar. Tenho vontade de colocá-lo no colo. Vou atrás de um vídeo de
uma aula dele. Em cinco minutos, com alguns tons de verde, umas pinceladas que
parecem jogadas, um tanto de marron e lá está uma árvore iluminada por uma luz
que vem do alto, à direita. Parece tão fácil, sei que não é.
Fico
me perguntando porque o pedido de perdão dele me tocou. Talvez porque seja o
oposto absoluto do que tenho vivido em um mundo onde leio coisas que me fazem
ter vontade de gritar, de verdade. Antes percebia isso quanto lia comentários de pessoas que pensam
muito diferente de mim, o duro agora é perceber que acontece quando leio textos das melhores
pessoas, das pessoas de quem gosto, que admiro e que de uma maneira que me
parece desesperada tentam mostrar como tudo o que o outro lado pensa é o horror encarnado na Terra. E é mesmo, muitas vezes, mas nossa abordagem tem alguma chance de mudar algo?
Acho que não. O outro lado fala, grita, xinga mas também mostra como se sente
ameaçado. Gritamos que eles são horríveis, eles acham que nós é que somos o
horror, que ameaçamos o mundo que eles querem. Lembro de um texto que li, do
Arjun Appadurai, O medo ao pequeno número.
Ele diz que existe algo que chama de ansiedade
da incompletude, quando as minorias lembram às maiorias que existe uma brecha
em sua condição de maioria e de um horizonte de um todo nacional imaculado.
Alterando (perdão Appadurai) para o aqui-agora: o outro e sua diferença impedem
que o mundo seja como eu quero. No que isso pode dar? Ele diz: “vivemos numa
época em que o medo é a fonte e o fundamento para campanhas de intensa
violência grupal”. Pitbulls enterrados na areia para se tornarem prontos para a violência, é o que temos sido. Como falar para ser escutado? Como não ter medo?
Aí vem o senhor japonês e pede perdão. Ele
não fez nada errado, tem imenso prazer em fazer o que faz, suas pinceladas
dizem isso. Parece imerso em algo que os budistas chamam de compaixão, algo
que não entendemos e não sabemos como usar. Em um dos comentários do vídeo, um
seguidor o chama de tesouro. Ele foi para mim, hoje, por razões estranhas. Quero esse mundo mais delicado, capaz de entender o
sentimento do outro e não desesperar. Não tenho a menor ideia de como fazer isso, mas vê-lo a cada dia mais distante, sentir a cada
dia mais incapaz de alcançá-lo, tem sido bem duro de aguentar.
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