Ainda na cama, depois de tomar café e ler um pouco, me vem
um estalo: será que já acabou a exposição do Luiz Zerbini no Masp, quero muito
vê-la. Estendo a mão para o celular e descubro que acaba domingo que vem.
Levanto, me arrumo, troco o potinho de água da gata e saio – quero ver hoje.
Pinheiros ainda não acordou inteiramente, lojas que eu sei
que abrem no domingo ainda estão com as portas baixadas, o moço que vive na
calçada, na soleira da porta do bar que fechou, segue enrolado no cobertor com
desenhos verdes, seu vira-lata caramelo amarronzado deitado ao seu lado. O cão
é o animal mais calmo que já vi, não late nunca, tem o pelo brilhoso, os
potinhos de água e comida sempre abastecidos. O dono é um homem jovem, forte e
simpático, já o vi conversando com os trabalhadores da obra do outro lado da
rua. Mantém seu canto organizado e limpo. Mergulho na estação Fradique, saio na
Paulista. Na rua da Consolação um ipê grita suas flores rosadas, a loja em
frente diz Beauty Look. A cidade fala. Ando em direção ao MASP. Em frente ao Center 3 não resisto à música
que vem do ponto de ônibus e paro para ouvir. Uma banda que parece vinda dos
anos 1960 toca algo bem viajandão, naquela formação clássica de bateria,
teclado, baixo e guitarra, os músicos com cabelos longos, um visual meio hippie.
Começo a me emocionar, embora não conheça a música, tento descobrir o porquê e
me dou conta que é a vibração do som no meu corpo, meu tórax obedece os
músicos. Algumas coisas só acontecem ao vivo. Ainda escuto um dos músicos dizer
que haviam tocado Neil Young e sigo.
No MASP, a modernidade me dá um pouco de preguiça, não havia
me dado conta de que só há bilheteria virtual e não comprei o ingresso em casa.
Perco uns minutos no processo – aponta a câmera do celular para QRcode, acessa
o link, preenche as informações pessoais, as do cartão.... Uma hora acaba e
entro. Me atrapalho um pouco, subo para o segundo andar e me dou conta que
preciso descer porque a exposição é no subsolo. A primeira tela que vejo é a Primeira
Missa, a mais conhecida dele porque já existia antes dessa exposição, vejo
as outras, vejo as monotipias que ele fez para uma edição especial do
Macunaíma, lindas em preto, cinza e relevos brancos, aqui e ali um toque de cor
de terra. Tenho vontade de acariciá-las, os pequenos relevos fazem com que pareçam
quase objetos tridimensionais. Depois de desse olhar geral, paro petrificada na
frente de Canudos não se rendeu, um quadrado gigantesco de talvez três metros
e meio de lado. Vejo de perto, me afasto para ver olhar melhor o conjunto. São
camadas e camadas de pintura: há um céu cinza estrelado, uma diagonal de animais,
da coruja no alto, na extrema direita; ao cachorro do lado inferior esquerdo, um
morro vermelho, um mar de espinhos formam uma das camadas, há flores, pessoas
espalham-se pela tela, meu olhar é capturado pelo sertanejo que me tem na mira
da espingarda e pela mulher que mostra apenas um seio e me faz lembrar de Antropofagia,
da Tarsila do Amaral. Quero ficar o dia inteiro ali, quero fazer um piquenique
olhando a tela. Gente vem, faz selfie, vai, outras chegam e fico ali,
queria poder decorar cada pedaço, queria levá-lo para casa. Quase rio alto da
ideia, não teria parede para aquilo tudo. Quando não consigo mais absorver
nada, vou embora, mal olho para o restante uma segunda vez. Não cabe mais nada em
mim, só aquele Canudos, talvez meus ancestrais. Faço o caminho de volta para
casa, tomada.
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