Comecei
a pandemia com um único vaso de planta em casa, baixo, horizontal, com pequenos
cactos longilíneos, trazido do escritório pelo meu filho. No primeiro instante
de confinamento ele imaginou, com razão, que as plantas morreriam se ficassem
sós, por mais resistência que tivessem. Muitas mudanças aconteceram, fiquei sozinha
com os cactos por longo tempo. Outros vasos foram chegando: uma pequena phalenopsis
florida, begônias, avenca, cróton, mais orquídeas, um pinheiro do último Natal
que se recusou a morrer e segue verde em seu vaso. Fazem parte do meu pequeno
mundo vivo não humano, completado pela Wanda, gata de dezoito anos. Hoje
descobri pequenos brotos na dendrobium velha que trouxe para casa e
troquei de vaso. Florida, ela parece ter aguentado bem o tranco.
O mundo
vegetal aparece também no que leio: Coccia e sua ideia das plantas fazendo a atmosfera,
as jardineiras desse mundinho perdido num universo tão grande que não temos
como saber do que se trata. Leio tudo que ele escreve bem lentamente, preciso
ficar olhando as ideias um pouco porque são tão distantes do lugar comum que pedem
esse tempo para superar o estranhamento. Outras pessoas falam dos vegetais: Stefano
Mancuso e a comunicação das plantas, Suzanne Simard e a cooperação entre as
árvores canadenses, Jeremy Narby e o que aprendeu com povos originários sobre as
plantas que ensinam, Merlin Sheldrake e os fungos e as plantas. Funciono assim,
algo me interessa e as coisas vão se conectando num longo fio de curiosidade. Há
também os vídeos que ensinaram o que quer uma orquídea como alimento ou quanta
luz precisa a avenca. Sonho com jardins, a olhada matutina nos vasos me acalma.
Hoje,
acordo e ainda na cama leio George Monbiot falando do filme Paved Paradise,
sobre o uso da terra, que vai estreiar
na Holanda. Um dos entrevistados é uma pessoa que ele considera um dos maiores heróis
ambientais existentes, Alvaro Umaña, ministro do meio ambiente da Costa Rica
entre 1986 e 1990 que mudou o uso da terra no país. Restavam 24,4% de florestas
quando ele se tornou ministro e hoje essa área é de 57%. Aparentemente é o
único país tropical que reverteu o desmatamento. Fez isso estimulando a conservação
onde quer que fosse possível, usando muito dinheiro, é claro, mas tornando a
natureza uma das grandes fontes de atração para o turismo no país. Não sabia a
dimensão dessa mudança, mas já vi muito o slogam Pura vida, de origem indígena,
e vejo em filmes e séries a Costa Rica como o único lugar de toda a América
onde parece estar acontecendo algo bom: estrangeiros mudando-se para lá, surfistas
indo pegar onda, retiros se instalando por lá, uma produção orgânica de
vegetais acontecendo. Monbiot pergunta: porque a Costa Rica fez e o Reino Unido
só afunda em termos ambientais?
Por
que não nós? Aqui, parte da população ainda segue achando que precisamos do ouro
das terras indígenas para gerar renda para uma camada da população, mesmo que estejam
nascendo crianças Mundurukus que não andam e não falam, tudo indica que
por causa do mercúrio despejado nos rios. Procurem mercúrio e baía de Minamata,
no Japão, basta olhar as fotos e vocês vão entender.
Com
esse mergulho verde, hoje me dei conta que tenho buscado oposto ao que vemos em
todo canto, tenho buscado a utopia. Só a utopia é capaz de nos tirar do horror
que vivemos. Outro dia vi um agricultor na Nova Zelândia que faz o que ele
chama de agrofloresta sintrópica, aprendida num período em que viveu no Brasil.
Explicando de uma maneira simplista, ele planta tudo junto, árvores frutíferas,
árvores para cortar, bananeiras, hortaliças e o que se puder imaginar. A única
coisa que vai para a terra é folha, não usa adubo nem orgânico, diz que não
precisa, não há infestação de pragas, os pássaros não atacam
descontroladamente. É uma pequena floresta que se alimenta de si mesma, alimenta
a família e ainda produz para o mercado. Corta e aparece a filha dele começando
uma plantação dessas com o namorado numa comunidade Maori. Pequenas utopias em
algumas brechas.
Li
várias vezes nos últimos dias o poema “Jam Session”, do Edimilson de Almeida Pereira
que termina assim:
“Seria bom se
fosse sempre isso, nenhum aperto,
Uma nota chamando
pela outra
E o mergulho
entre os corpos querendo-se.”
Não fala sobre
plantas, mas mostra o sonho, o desejo. É disso que me alimento.
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