Luar-do-chão (para Flavio Assis)

                                 

 Começo da noite, acendo os abajures de casa, gosto de luz acolhedora noturna, distante do ofuscamento do sol que adoro durante o dia e das luzes brancas dos escritórios, feitas para a produção. Como é sexta, quero algo mais e acendo também algumas velas no meio das plantas, perto da janela. Aí lembro que é o dia do lançamento do álbum do Flavio Assis. Vou no celular, jogo o som para a caixa e começo a ouvir.

De cara já me emociono com a benção da educadora e ialorixá Makota Valdina, de quem nunca tinha ouvido falar até conhecer Flavio. As músicas vão deslizando uma atrás da outra. Ele se diz compositor, sempre penso nas palavras quando escuto essa definição e aí me surpreendo com os arranjos. São tão bons que até alguém que não é da música como eu sabe que ali tem só músico de primeira. Nada tenta ganhar o ouvinte com uma modernidade fácil e grudenta, mas liga-se a uma tradição musical das melhores.

Meu primeiro sorriso vem com Árvore, a curandeira, música que já tinha ouvido algumas vezes no violão.  Entrevejo o professor de geografia ali, são tantas as árvores citadas, ligadas a sentimentos. A suave melancolia me aquece de alguma maneira, sempre gostei dessa música. Sobre peões e cidade traz a vida dura na cidade que tantos mói, tem raiva e esperança. Afrolusa me comove ao tocar algo que nem sei dizer o nome, já nas cordas iniciais tenho vontade de chorar. Talvez seja a alma portuguesa que ali habita como um fado distante, a voz grave de Tiganá Santana se encaixando perfeitamente. E tem o verso: “porque molhamos o carvão para supor o magma”. Vou ouvir infinitas vezes, me conheço. Em Benjamin Onirê mora o verso “No Valongo minha carne pesava réis”. Uma professora de história pode dar uma aula só sobre ele. Mãe Preta canta a mulher negra que espera o filho, sabemos o que isso significa nesse país, a música assobia, a letra nos desespera. Não se engane com o nome Samba atemporal esperando um sambinha, há um estranhamento hipnótico na música. Uma suavidade deliciosa percorre A ribeira e o caminho. Mais não consigo dizer, apenas que não são só essas as músicas do álbum, estas são as que pegaram de cara e tomada não conseguia mais prestar atenção, queria escrever. Meu amigo, prometi tentar esquecer a amizade, mas não dá. Só que ao contrário do que você imagina, não gosto porque somos amigos. Na verdade, deve ser um tantinho ao contrário, além do coração grandão, da coragem para a luta, do senso de justiça, você ainda é capaz de fazer esse conjunto que coisas bonitas. Sucesso, meu irmão.

 

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